segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Asas do Desejo

*

Os sentimentos e os conceitos das palavras, precisam ter certa itinerância. Nada pode ser muito fixo, nem os sentimentos podem ser imutáveis. O conceito de casa, por exemplo, tem lona de circo. Depende do lugar e independe do lugar. Para amar um lugar mais que outro é preciso ter ido a um e ter ido a outro. Para amar todos os lugares é preciso ter conhecido o bastante. O amor é um sentimento itinerante por princípio. Não está apenas dentro dos corpos itinerantes, mas em todos os lugares. Ele entra se deixamos aberta, no nosso conceito de casa, a lona de circo. Colore tudo por dentro, acende as luzes do picadeiro, faz rir e dá medo. Para amar é preciso ter sido criança, ter usado fantasia ou ter algo de lúdico dentro. Para sorrir e ter medo é preciso ter coragem de colocar a vida ao vento, a casa em movimento, como o corpo que se move carregando o coração lá, aqui dentro. O medo também é itinerante, como os leões dos circos, como os signos e como as constelações. Quem é que vai dizer que o sol não está se movendo com todas as outras estrelas para um lugar diferente de tudo o que conhecemos? Eu acredito que tudo no mundo pode ser um outro universo. Acredito que tudo pode ser um grande circo com atrações e números, cartolas e coelhos, cartas na manga e que nada disto está acabado, como os palhaços nunca estão acabados e os bailarinos nunca estão satisfeitos. Eu acredito que nossas almas, como o amor, são itinerantes por princípio e conhecem e amam lugares longínquos e estranhos, muito mais longínquos e estranhos do que um dia imaginou um astronauta, um artista, mágico ou alquimista. Eu acredito que minha alma possa amar um lugar totalmente desconhecido, se puder adentrar as lonas abertas dessa outra realidade impensada, como são os planetas onde nossas naves não estiveram. Assim como amei vários lugares distintos, as cidades e os países que adentrei até hoje, as lonas de circo das casas que, como ao amor, me receberam. Cada lugar fora de mim desperta um lugar dentro de mim. Assim eu descubro que sou tudo e que sou grande. Graças ao inacabado, os conceitos das palavras se ampliam. Graças ao movimento, o coração bate e os sentimentos podem ser gigantes ou infinitos. Somos por princípio seres itinerantes. Criamos tecnologias e engrenagens para mudar de endereço, para abrir as lonas de circo das casas, para que o amor, com riso e medo, revele o quanto estamos inacabados e o quanto somos grandes ou estranhos e podemos ser longínquos.

*Guardo dentro de mim a criança que viu as piruetas dos trapezistas com os olhos semi abertos. Sonho que sou livre, que me balanço num trapézio com asas de anjo como no filme do Win Wenders. Choro quando tenho vontade, amo muito e tenho pouco medo. Sonho que o mundo é um circo à caminho de um novo universo para armar a sua lona e iluminar com novos astros o seu picadeiro. E porque sempre tive sonhos, agora escrevo.

Começa assim meu pensamento: