sábado, 29 de outubro de 2016

Trilhas Sonoras de Amor Perdidas

Dentro das pastas, entre as folhas de papel guardadas, encontro um texto de uma participação em uma peça. Foi na mesma época que conheci Porto Alegre e bradava aos quatro ventos: "deu pra ti baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau". Era dessas horas onde cai bem bradar pelo tchau. Na folha onde o texto da peça foi impresso (a mesma que usei para decorar a minha participação de duas noites no Theatro São Pedro) escrevi a lápis: "Let the photos be old", porque a personagem que interpretei, batizada de Patti Astro Girl, comentando a sua mixtape, dizia: "Deixe as fotos se tornarem antigas". Reabrindo as pastas concretas da memória, emocionada com o texto (é tão bom quando a gente se esquece e se arrepia outra vez como se fosse a primeira), reencontrei essa música na frase rabiscada e descobri que o seu lançamento foi no ano que nasci: 1978. Na peça, esse texto da mixtape, marcava a virada da personagem do Gui Weber, quando descobria que podia continuar a amar apesar de todos os fins. Era no fim da peça o momento do recomeço. Hoje, tirando caixas do coração, vendo as fotos antigas sem apego, num voo circular, vejo outra vez a peça terminar e me vejo, na luz de Beto Bruel, bem dentro do recomeço. Também hoje, Eduardo Beu, que dirige o projeto que participo em São Paulo, o Trovadores do Miocárdio, me disse que vou ler um texto de Paulo Mendes Campos, no próximo dia 2 de novembro, na Balsa, que se chama: "O amor acaba". Perguntei se não teria um texto chamado "O amor começa", e ele disse que é quando acaba que começa. Num déjà vu parecido com insight me sinto impelida a escrever que o amor sempre está lá. Aqui. Sem começar ou terminar, mas, pronto para ser sugado pelas bocas ("como se cada beijo tivesse uma nova sensação"), para dentro do corpo, do coração, da vida e das peças, em uma transformação sem fim. Em homenagem aos círculos que se fecham, às peças que terminam para recomeçar, às folhas de papel que voltam com o tempo e às palavras que devem se perder para sempre, celebro. "Let the good times roll".

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A minha casa é um set

Essa madrugada, lembrei que desde o meu primeiro curta metragem, desde que comecei a viver a realidade dos sets, eu digo que quero ter uma casa com uma grua no jardim, um travelling no meu quarto, e uma sala com 3Ts. Eu que sempre procurei a minha casa por aí, que ainda a procuro pelo mundo, essa madrugada entendi que a minha casa provavelmente é um set.
Set é esse lugar onde as coisas são emprestadas, onde a vida segue um roteiro, onde podemos improvisar desde que isso não prejudique ninguém, onde fazemos piadas com os erros, onde a conexão com o momento presente é vital. É o lugar onde rimos e choramos sem esconder o rosto. É esse lugar onde o nosso melhor é tirado de nós pela dedicação, pelo olhar do outro, por saber escutar. É onde nos entregamos a um bem comum pela confiança do diretor de cena, que muitas vezes não enxergamos, mas que sempre nos vê e está sempre ali. E tudo isso me parece o mundo todo, a vida de forma pura, e ainda que eu more numa ficção, ela sempre vai poder ser real e familiar.
Quando era criança, coloquei um A no fim da palavra ator e marquei um X na profissão que eu queria ter. Hoje, a criança crescida entende que essa é mais do que uma profissão escolhida, é um pacto de sempre poder ver o mundo com assombro e encantamento. Esse mundo que nasce do set, que era o sonho da criança que eu fui, agora é a sorte da mulher que eu sou, tendo em vista que, como os papéis que represento, de set em set, a vida é uma oportunidade infinita. Da mesma forma que a alma se transforma através da persona, a atriz se transforma através da personagem. Na realidade destes sets as luzes não seriam protagonistas não fosse o brilho que vem de dentro. O desenho da luz que se cria fora é só o suporte para uma luz mais intensa, que se faz transbordar através do olhar.
No dia de hoje, depois do set de ontem e de todos os anteriores, meu olhar transborda a alegria de ver aquela criança que acendeu sua lamparina pra me guiar ao longo desses anos de estradas e de sets, numa paisagem de luz intensa. Lá está ela com a sua alma de atriz, sorridente, realizada e (não é pretensão dizer e não foi por querer rimar no fim): FELIZ.