domingo, 24 de julho de 2016

Baile

Meu primeiro eletrocardiograma deu erro. Eles chamaram de interferência. Pedi uma cópia com fins artísticos. Mas já haviam removido do computador.

Repetimos.

Meu segundo eletrocardiograma deu erro. Eles chamaram de alguma coisa do ramo direito. Mas não podia ser. A doutora acha que sou muito nova.

Repetimos.

Meu terceiro eletrocardiograma deu um terceiro erro. Mas eles chamaram de dentro da normalidade. Na lógica, o coração deu um baile.

Não foi necessário teste de esforço.

sábado, 9 de julho de 2016

Cidade invertida

Ontem, horas antes do calendário dar as boas vindas à lua nova, deixando para trás os dias luminosos vividos na festa literária, a estrada estava muito escura e me parecia tediosa e triste. No escuro sinuoso, o tempo fazendo suas curvas, eu ainda notava algumas luzes acesas ao meu lado, sobre as montanhas e entre elas. Olhando para a estrada à minha frente, de perfil para as luzes, me dei conta de que elas eram muito fortes para serem as luzes das casas ou das gambiarras elétricas embrenhadas no escuro. Então virei de frente para elas e demorei alguns segundos pra entender que havia passado tanto tempo me movimentando entre cidades grandes e cheias de nuvens, que já não me lembrava como era dar de cara com as estrelas. Tudo o que não era a estrada e as montanhas, e tudo o que não era escuro, era estrela. Muitíssimas lâmpadas de intensidades diferentes, desenhando uma cidade invertida. Uma cidade inteira de cabeça pra baixo que eu podia ver muito nítida. Foi de verdade a primeira vez que me senti muito acompanhada na vida. E foi como se eu encontrasse finalmente as duas peças invertidas do quebra-cabeça do mundo. O céu, uma cidade acesa, altamente povoada. E do outro lado o seu reflexo, onde eu me encontrava olhando para cima, na via entre as cidades, dentro do que seria o céu da cidade que eu via. Diante da possibilidade infinita que é poder ser guiada por aquele mapa imenso e brilhante, para poder percorrer com menos tédio e mais lâmpadas, as sinuosidades escuras dos fins e dos começos, das idas e das vindas. O céu é semelhante a uma cidade sem limites. E aqui, eu e você, e todos certamente, somos juntos um outro céu aberto, de corações reluzentes, mapeando novas constelações de possibilidades infinitas.

ps_ esse texto foi vivido no dia 3/fim da Flip 2016, escrito no dia 4 de julho.